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Turma da Mônica em:

Criando laços com   o público

O mercado de quadrinhos no Brasil vem se desenvolvendo desde os anos 1960, mas nas últimas décadas tem passado por um resgate e valorização. De acordo com a Associação de Cartunistas do Brasil (ACB), o segmento é o terceiro maior da América Latina, reunindo uma diversidade crescente de títulos e gêneros, da aventura ao drama e fantasia. As HQ’s se tornaram uma porta de entrada importante para a leitura no país e, além de entreter, têm influenciado temas educativos e culturais. Um levantamento feito pela ACB ressalta que quase 80% dos brasileiros já leram ao menos um gibi na vida, sendo, aproximadamente, 20 milhões de leitores ativos que consomem ou acessam pelo menos um gibi ao ano.

Dentro desse cenário, a Mauricio de Sousa Produções (MSP) se destaca como uma das principais empresas na criação de personagens e histórias que refletem a cultura brasileira. Desde sua fundação em 1959, a MSP lançou a Turma da Mônica, marca que não apenas encanta o público infantil, mas também ressoa fortemente com os adultos que cresceram acompanhando as aventuras. Com mais de 1 bilhão de revistas publicadas ao longo de toda sua trajetória e cerca de 12 milhões de gibis vendidos anualmente apenas no Brasil, segundo a ACB, a MSP solidifica sua presença no mercado. 

 

Para entender mais sobre a relação do público com a marca, no segundo semestre de 2024, a FiveHive produziu uma pesquisa com 1.002 pessoas de diferentes faixas etárias. Ela indica que os gibis do Maurício são um fenômeno amplamente reconhecido: todos os participantes disseram conhecer os personagens e mais de 40% se identificaram como fãs. Os números também revelam que a conexão com a Turma se estabelece desde a infância, com mais de 80% dos entrevistados relatando ter tido o primeiro contato com a HQ antes dos 10 anos, em grande parte por meio de familiares e amigos.

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Com quantos anos você

conheceu a Turma da Mônica?

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Qual é sua relação com os quadrinhos da Turma da Mônica?

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Como você teve o primeiro contato com a turma?

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Paulo Kielwagen, quadrinista e professor de Mídias Digitais na PUC-Campinas, está dentro dessa estatística e teve seu primeiro contato através da mãe: "Eu desenhava desde os 2, 3 anos. Minha mãe falava que eu pegava os quadrinhos da Turma da Mônica bem cedo. Eu comecei a colecionar antes dos 10 anos". Para ele, o quadrinho é uma linguagem que facilita o acesso tanto para quem cria quanto para quem lê. "A imagem comunica muito, às vezes até mais que as palavras. Isso faz com que quadrinhos, como Turma da Mônica, conversem com todo tipo de público, apesar do foco ser mais infantil", completa. 

 

A relação com os quadrinhos passou de geração em geração na sua família, refletindo também na vida de sua filha. "Tenho uma filha de 9 anos e fiz questão de assinar Turma da Mônica pra ela quando ela tinha 2. Mesmo sem saber ler, ela já contava suas próprias histórias a partir das imagens. A revista ajudou ela a desenvolver essa percepção imagética, o que é incrível”, diz. 

Junior Kadeshi, Diretor do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, também é um dos fãs das HQ’s desde a infância e, hoje, além de trabalhar com quadrinhos, passou o hábito da leitura para sua filha.

Junior Kadeshi iniciou a historia com o Salao Internacional de Humor de Piracicaba em 2010

"Eu tinha uns 4, 5 anos e minha irmã mais velha tinha gibis da Turma da Mônica. Eu copiava os desenhos, mas não conseguia ler, e isso me frustrava! Ela lia pra mim, e aquilo me motivou a aprender a ler. Hoje, minha filha, que tem 10 anos, também é super fã”, comenta.

Junior Kadeshi,  Diretor do Salão de Humor de Piracicaba.

Foto: Reprodução

A ligação do público com a marca pode existir por diversos motivos. Entre eles estão: apego emocional com os personagens, produtos presentes nos mais variados segmentos do mercado, publicidade e estratégias de marketing utilizadas pela MSP, criação de novas histórias e personagens que exploram cada vez mais a pluralidade e a diversidade brasileira, evolução dos quadrinhos para as telas de cinema, presença da empresa em eventos literários, entre outros. 

 

Vale ressaltar que muitos dos projetos criativos da Maurício de Sousa Produções podem, ainda, estar associados ao ato do consumo. A FiveHive conversou com alguns especialistas para tentar entender porque essa fidelização dos clientes acontece e permanece ao longo dos anos.

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Do zero ao topo

A publicidade infantil e o fortalecimento da marca

Um dos aspectos que fortalece a fidelização do público é o lado comercial da Mauricio de Sousa Produções. É aí que está a chave: o ciclo não se fecha só com o quadrinho. Hoje, a empresa conta com mais de 400 personagens, presentes em mais de 4.000 produtos licenciados por mais de 200 empresas no Brasil. Segundo os últimos dados divulgados, em 2012, o licenciamento na MSP movimentava anualmente cerca de R$ 2,7 bilhões.

O processo de desenvolvimento dos gibis e demais produtos da MSP é um dos grandes segredos do sucesso da Turma da Mônica, segundo Sidney Gusman, editor-chefe da Maurício de Sousa Produções. Ele explica que esse forte vínculo com o público é resultado da criação de histórias que conversam com a atualidade: “O Maurício sempre fala que não tem segredo, mas, para mim, tem sim. O segredo está na sacada dele, naquela frase que ele sempre diz: 'A Turma da Mônica fala a língua do dia e da hora', não só nas referências culturais, mas também nos termos, na forma como os personagens se atualizam. Isso conecta com as crianças. Esse é o ponto-chave para mim”. 

Sidney ainda conta como surgem as ideias de criação de Maurício de Sousa, que busca adaptar os acontecimentos atuais da sociedade para uma linguagem de fácil compreensão. “Ele coloca nas histórias referências que as crianças conseguem captar do que está acontecendo no Brasil, e isso faz elas se conectarem de um jeito especial. Por exemplo, lá nos anos 70, o Anjinho cantava 'Chove, chuva' do Jorge Ben, e a Mônica e a Magali eram fãs do Francisco Cuoco, do Tarcísio Meira. Hoje, elas curtem o Caio Castro ou algum galã mais atual. No começo dos anos 2000, o Chico Bento encontrou os Jonas Brothers, e até a Dona Morte apareceu no Big Brother para buscar alguém. Quando a criança lê isso e reconhece, pensa: 'Eu entendi!'”, diz. 

“E esse foi o grande segredo do Maurício, a sacada que fez o Brasil ser o único país onde um quadrinho infantil local superou a Disney em vendas. Enquanto os quadrinhos da Disney são atemporais, com aventuras de patos e ratos em lugares fictícios, as histórias da Turma da Mônica falam de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Amazonas. Elas têm a nossa cara” 

Sidney Gusman , Editor Chefe da Maurício de Sousa Produções.

Foto: Reprodução

A ideia de humanidade e atualidade ser um ponto forte da marca é reforçada pelo próprio Maurício, em entrevista a Isto É, em 2017: “O que explica a longevidade da Turma? Eu poderia dar uma porção de explicações — ou de tentativas de explicação. Mas eu realmente não sei. Temos pistas. Uma delas é a proximidade intelectual e de costumes das personagens com as crianças brasileiras. Também é muito forte a identificação com a humanidade das histórias, provavelmente porque todas as personagens foram inspiradas em gente existente, minhas filhas, filhos, amigos, parentes. Todo mundo conhece alguém como a Mônica”.

Maria Belintane Ferniano, doutora em educação e especialista em educação para o consumo, explica que o vínculo com a Turma da Mônica é resultado da conexão do público com os personagens: “A relação com os personagens da Turma da Mônica foi uma relação construída há muito tempo e que hoje é passada de pai para filho. Porque tem a questão da nostalgia, a identidade, se lembrar de como era divertido ler os gibis”. Apesar disso, para ela, existe uma certa preocupação sobre como o consumo e a publicidade infantil podem afetar os menores. “Mas agora a gente precisa fazer essa análise: de que forma esses produtos estão sendo gerados, de  que forma essa publicidade é feita gerando desejo e necessidade de compra e o que isso implica na formação da criança”, completa. 

O boom do comércio direcionado às crianças e da publicidade infantil aconteceu a partir da década de 1980, impulsionado por estudos como os do pesquisador americano James McNeal. Ele percebeu que, naquela época, a criança deixava de ser apenas um consumidor passivo e passava a ocupar a posição de cliente, com influência direta sobre as decisões de compra da família e até mesmo no consumo futuro. Essa percepção de McNeal mudou radicalmente a forma como a infância era vista pelos profissionais de marketing. A partir de então, a publicidade infantil nunca mais foi a mesma, trazendo consequências para o desenvolvimento da criança. 

Nos anos 90, essa indústria despontou no Brasil. Dados do IBGE, de 1995, já apontavam que o mercado de produtos voltados para crianças movimentava cerca de R$ 3,5 bilhões por ano. O consumo infantil se tornava uma parte central da economia familiar, e campanhas publicitárias focadas nesse público dominavam os intervalos da TV aberta, representando 25% de todas as propagandas exibidas. A Turma da Mônica está dentro dessa estimativa.

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Plano de negócio
infalível

Segundo o InfoMoney, os primeiros produtos da Maurício de Sousa Produções foram lançadas na década de 70. Hoje, o licenciamento responde por 90% do faturamento da empresa, com itens no segmento escolar, alimentício, editorial,  decoração, brinquedos, de higiene pessoal, entre outros.

A propaganda voltada para crianças não apenas molda suas percepções, mas também promove a ideia de que a aquisição de produtos é fundamental para a felicidade.  O Instituto Alana, uma organização da sociedade civil que desde 1994 luta pelo direito das crianças a crescerem livres de consumismo e da publicidade, afirma que a abordagem consumista substitui o brincar criativo e a liberdade dos menores por uma busca incessante por itens que garantam aceitação social. 

No ano de 2020, o Instituto produziu a pesquisa “Publicidade Infantil na TV paga: Monitoramento 2020”, para identificar o quanto as crianças estão sendo expostas à publicidade infantil. O estudo indica que, ao longo do ano, foram monitorados quatro canais para menores por assinatura de maior audiência no Brasil: Cartoon Network, Discovery Kids, Gloob e Nickelodeon A pesquisa mostra que, entre janeiro e agosto de 2020, em média, foram veiculados 174 anúncios publicitários direcionados a crianças, a cada 12 horas de programação, o que equivale a 1 publicidade infantil a cada 20 minutos. Somente no mês de setembro daquele ano foram exibidos 665 anúncios, com quase 1 inserção a cada 4 minutos, um aumento de 282% em relação à média dos oito meses anteriores. O estudo explica que esse crescimento um mês antes da comemoração do dia  das crianças reflete uma estratégia do mercado em antecipar as vendas. Falando em datas comemorativas, em dezembro de 2020, mês em que se celebra o Natal, o volume de publicidade infantil atingiu seu máximo, com 959 anúncios, sendo 1 anúncio a cada 3 minutos de programação. 

O levantamento também expõe que as mídias digitais dos canais corresponderam a 32,3% de toda a exploração comercial infantil monitorada em 2020. Segundo o Instituto, com o objetivo de manter a fidelidade do público, as emissoras começaram a levar as crianças para outras telas, promovendo seus meios de comunicação (sites, redes sociais, aplicativos, jogos e demais conteúdos online). Além disso, o crescimento significativo desses anúncios representa uma possível relação com a mudança nos padrões de consumo de produtos de entretenimento e chama a atenção ao estímulo do uso excessivo de telas e, consequentemente, a um maior risco de exposição a diferentes formas de exploração comercial infantil no ambiente digital. 

A exposição constante é capaz de gerar uma forte relação entre personagens e produtos, criando uma ligação emocional que direciona as escolhas de consumo, como explica Paulo Kielwagen, quadrinista e pai de uma menina de 9 anos: “Quando minha filha assiste TV e tem contato com a propaganda, ela chega pedindo por produtos. E no viés do consumo, esse é o objetivo da propaganda. E isso já aconteceu em relação à Turma da Mônica, dizendo 'eu quero esse daqui que tem a Turma da Mônica, porque eu conheço e gosto". 

De acordo com João Francisco Coelho, Advogado do Criança e Consumo, essa relação dos personagens com a publicidade infantil ganha ainda mais potência.

João Francisco Coelho - Advogado da Criança e Consumo
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Além do Instituto Alana, existem instituições responsáveis por fiscalizar o trabalho realizado pelas empresas, com o objetivo de minimizar as consequências geradas pela publicidade infantil. Uma delas é o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), uma organização civil não governamental composta por advogados, publicitários e profissionais de diversas áreas. Seu papel é garantir a atualização ágil das regulamentações às novas formas de comunicação e tendências de mercado, além de fiscalizar queixas de consumidores e casos de concorrência desleal na publicidade.

Em relação ao marketing infantil, destaca-se a Resolução do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) que considera abusiva a publicidade e a comunicação mercadológica direcionadas ao público infanto-juvenil. Especificando práticas como o uso de linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores, trilhas sonoras com músicas infantis ou vozes de crianças, personagens e celebridades com apelo ao público infantil, animações e desenhos animados (Art. 2º, I a IX). 

Conforme Maria Belintane, a promulgação dessas resoluções é uma vitória em relação à proteção da criança, mas para Maurício de Sousa, como empresário, a visão é diferente.

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