Turma da Mônica em:
O que vende é sexo, humor e coisa fofa
O Relatório Quadrinhopédia do mercado editorial brasileiro de quadrinhos indica que os títulos do segmento cresceram 6,19% entre 2021 e 2022. No levantamento, quem possui o domínio multinacional é a Panini Comics. Em 2022, a marca respondeu por mais de 50% dos títulos de quadrinhos publicados por editoras no Brasil, juntando os seguintes percentuais: Planet Manga (17,2%), Marvel (15%), DC Comics (11,6%), MSP (7,9%) e outros (2%). Em seguida, as editoras que mais estão presentes no setor são: Mythos (6,4%) JBC (4,9%), Culturama (4,2%), New Pop (2,9%), Pipoca & Nanquim (1,5%), Skript (1,5%), Criativo (1,1%), DarkSide (1,1%), Comix Zone (1%) e Devir (1%).
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A BookInfo, a pedido do PublishNews, realizou uma pesquisa mais recente sobre a venda de quadrinhos, no intervalo entre julho de 2023 e julho de 2024. O levantamento indica que entre os 100 títulos mais vendidos do período, 71% deles são mangás, embora no top 10 os títulos da Turma da Mônica ainda sejam os destaques, com os gibis e os Graphic Novels, que são HQ’s que possuem uma estrutura narrativa maior e mais complexa.
A BookInfo ainda ressalta que, entre as editoras, a Panini possui 72% dos títulos no top 100, tendo um crescimento significativo na indústria, seguida por JBC (11%), Companhia das Letrinhas (5%), Seguinte (5%) e DarkSide (3%). A Pipoca e Nanquim também aparece com um título entre os 100 mais vendidos no período.
Segmentação
Créditos: PublishNews com dados do BookInfo.
Editoras
Créditos: PublishNews com dados do BookInfo.
Lucas Voigt, economista, destaca que a pressão para aumentar os lucros pode ter um impacto significativo nas escolhas criativas de uma empresa, especialmente em setores onde o curto prazo é priorizado pelos investidores e acionistas. Esse cenário pode levar a uma abordagem conservadora em relação ao desenvolvimento de produtos e ao marketing, priorizando produtos ou campanhas que já tiveram sucesso, em vez de explorar novos conceitos ou ideias ousadas. “O domínio do monopólio impacta negativamente a competitividade, uma vez que elimina ou reduz drasticamente a concorrência. Sem concorrentes diretos, a empresa monopolista não enfrenta pressão para melhorar continuamente seus produtos, inovar ou reduzir custos, o que pode levar a um cenário de estagnação e acomodação. No aspecto da inovação, como não há concorrência, a empresa pode não ter um incentivo imediato para inovar, especialmente se o produto ou serviço já atender minimamente às necessidades do mercado”, diz. â
âA FiveHive também produziu um estudo com a participação de 1.002 pessoas, de diferentes faixas etárias, com o objetivo de analisar quais são
os quadrinhos com mais destaque no mercado. A pesquisa indica que 62,7% dos entrevistados conhecem títulos variados, enquanto 37,3% dizem ler apenas a Turma da Mônica.
Você conhece outros quadrinhos
além da Turma da Mônica?
Créditos: FiveHive
Entre os gibis que foram citados, os que mais aparecem são: Disney, Marvel, Luluzinha, Mafalda, DC, Menino Maluquinho, Sesinho e Sua Turma, Asterix e Obelix, Garfield, Recruta Zero, Star Wars, Power Rangers, Clube do Bolinha, Zé Carioca, Irmãos Metralha, Scooby Doo, A Turma do Pererê, Snoopy, Sítio do Picapau Amarelo, Tex e Calvin and Haroldo. Além disso, o mangá japonês também é uma das categorias mais mencionadas. Pode-se observar que a maioria das produções que são citadas não são brasileiras.
Lorena Kaz, autora e ilustradora de livros infantis e histórias em quadrinhos sobre educação emocional, destaca que os quadrinhos que mais têm visibilidade e espaço atualmente no mercado são os de super-heróis, de aventura, fantasia e os mangás, pois possuem um nicho muito grande e especificado.
“Eu acho que os quadrinhos autorais, que é o que eu faço, uma coisa meio autobiográfica das minhas reflexões, sempre é o menos procurado, o que tem menos espaço. Mesmo as pessoas mais famosas não conseguem viver disso [...] Eu não sei onde eu li isso, mas o que mais vende é humor, sexo e coisa fofa, né? São o que as pessoas aprendem no marketing”, diz a sobrinha do cartunista Ziraldo, autor do “Menino Maluquinho".
Lorena Kaz, autora e ilustradora de livros infantis e histórias em quadrinhos sobre educação emocional, em entrevista online para a FiveHive - Créditos: FiveHive.
Marcelo D’Salete, quadrinista e ilustrador, também comenta sobre a discrepância entre os quadrinhos mais procurados. “Os quadrinhos de super-heróis e alguns infantis, que têm por trás uma grande equipe de produção, são muitas vezes os personagens que chegam para grande parte do público. Mas, hoje em dia, nós temos uma grande produção alternativa, mais diversa e interessante nas livrarias, trazendo novos autores e muitos outros temas para além dos mais famosos”, afirma.
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Jean Galvão, cartunista e ilustrador, ainda ressalta que não existem temas que não podem ser abordados nos quadrinhos, pois eles se tornam uma ferramenta poderosa de comunicação, capaz de tratar desde assuntos banais até os mais filosóficos. Entretanto, para ele, os super-heróis não são os mais procurados nacionalmente. “No Brasil, os quadrinhos mais vendidos e procurados são, sem dúvida, os da Turma da Mônica. Em livrarias e nas poucas bancas de rua que restam, a seção de quadrinhos é dominada pelos títulos de Maurício de Sousa. Em segundo lugar, vejo os quadrinhos da Disney e os mangás, que também são fortes referências para novos desenhistas. A diversidade de títulos e estilos é essencial para enriquecer a qualidade dos desenhos e a criatividade dos artistas. Os quadrinhos japoneses, por exemplo, cobrem uma vasta gama de temas, desde reportagens sobre acontecimentos reais até histórias de ficção, romance e humor”.
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“Crescer na Terra do Nunca”, escrita por Anna Osta, é a primeira HQ publicada da Editora Mirarte, uma empresa voltada ao planejamento, produção, edição e distribuição de livros sob demanda. Rose Ferrari, diretora da Mirarte, destaca a importância das produtoras estarem antenadas ao que acontece na indústria. “Nós, como editora, acompanhamos as tendências do mercado, as tendências do mundo. Dessa forma, vemos que hoje vivemos em uma sociedade muito imagética, uma sociedade que quer saber logo tudo rápido. E nada mais rápido do que a imagem. Tanto que você vê sucessos, às vezes, que se fixam mais na imagem do que nos textos longos. Então a gente percebeu que era uma oportunidade de difundir a história”. Ela ainda completa: “Veja, quando a Turma da Mônica surgiu lá atrás, que o Maurício de Souza criou, ele abriu um caminho nos quadrinhos no Brasil. Até tinha alguns outros quadrinhos antes deles, mas, vamos dizer, quem sedimentou o território de quadrinhos foi o Maurício de Souza.
Produzindo HQ’s de forma independente
A Risco Editora é uma editora independente focada na publicação de histórias em quadrinhos de diferentes gêneros da ficção. Os sócios, roteiristas e editores de HQ’s, Gabriel Calfa e Marcus Leopoldino, estão no mercado desde 2016. O impulso inicial dos fundadores, assim como de vários artistas, era a escrita de suas próprias histórias e que começou a tomar forma com a parceria de vários ilustradores. Entretanto, não foi uma trajetória fácil, pois tiveram que achar diversas formas de ganhar espaço e visibilidade no segmento, participando de eventos e entrando em aplicativos e plataformas digitais para vender seus produtos.
Marcus conta que ser tanto uma editora quanto um artista independente no mercado tem sido uma tarefa difícil, pois existem vários fatores que dificultam a permanência na mídia. “Aos poucos a gente vê o que funciona mais no público, o que vende mais, o que o público está esperando. Nós já temos condições, mas nossos trabalhos são outros. Eu sou psicólogo e o Gabriel é publicitário, então a gente concilia essas duas coisas sempre. A gente teve uma chance de investir mesmo, tanto no nosso tempo quanto no nosso dinheiro, para a coisa ir crescendo aos poucos. Então teve esse tempo que a gente teve para gastar, vamos dizer assim”.
Ele ainda completa sobre os aspectos do sistema editorial: “Às vezes, o melhor caminho é você fazer uma coisa mais barata e totalmente independente, você mesmo contrata uma pessoa aqui e outra ali para fazer, ou até tentar a sorte com uma editora grande que pode levar a sua obra para um patamar mais amplo de divulgação e distribuição. [...] Antigamente, a Disney era uma concorrência forte, só que não sei como e nem porquê, mas a Maurício de Sousa Produções ganhou muito espaço. Nas bancas você só vê Turma da Mônica, Marvel e DC, que já são para um outro tipo de público”.
Os profissionais, por meio dos depoimentos acima, comentam que ser um autor de quadrinhos independente no Brasil exige tempo, dinheiro e dedicação, para alcançar seus objetivos. Pedro Mauro, quadrinista, explica que a grande presença da Maurício de Sousa Produções no mercado não é um elemento ruim, pois em vez de inviabilizar o espaço para novos escritores e ilustradores, abre cada vez mais portas. “Eu acho que isso é uma coisa muito boa para a geração, de modo geral. O Maurício é uma marca nacional e fora também do Brasil, muito conhecida e muito importante de qualidade nacional. Por ele ser tão reconhecido e a marca ser tão reconhecida, isso favorece também o mercado de quadrinhos, porque você também entra na mesma esteira, apesar de serem gêneros diferentes”.
Will Leite, cartunista, conta que, hoje em dia, o seu maior “ganha pão” é o licenciamento das suas produções para instituições de ensino, representando 50% do seu faturamento.
“As editoras no momento que estão criando esses materiais didáticos que vão ser vendidos para a rede de ensino de todo o Brasil, passam por uma elaboração, tendo tiras, charges e cartuns auxiliando nas perguntas. Então eles entram em contato com a gente e pedem autorização para utilizar nossos trabalhos. O nosso preço é bem comercial. Eu dou o meu preço e eles podem aceitar ou não. Eu acho que tenho conseguido licenciar umas 5, 6 tiras por mês. [...] Eu ganho muito mais dinheiro com isso do que vendendo os quadrinhos em eventos, na minha lojinha, os livros e tal.”
âWill Leite, cartunista, em entrevista online para a FiveHive - Créditos: FiveHive
Apesar do cartunista ter essa percepção do quanto é difícil manter a lucratividade, abrir uma grande empresa como a Maurício de Sousa Produções não faz parte do seu sonho. Ele acredita, assim como Pedro, que a MSP, em vez de tirar o destaque dos artistas, tem os auxiliado cada dia mais a terem reconhecimento, pois muitos deles não competem diretamente com a Turma da Mônica:
Jean Galvão discorda dos dois últimos profissionais, pois, mesmo que muitos quadrinistas, cartunistas e chargistas achem que não existe uma competição direta com o Maurício de Sousa, todos eles vivenciam o frequente desafio de se destacar. “Falta visibilidade e espaço na mídia para outros autores e desenhistas. Hoje, com as redes sociais, o consumo de conteúdo se fragmentou, e a leitura tradicional de revistas e jornais foi substituída por pedaços de informação espalhados pela internet. No entanto, as revistas em quadrinhos impressas da Mônica continuam onipresentes. Para os desenhistas, a internet é a principal ferramenta para divulgar seu trabalho, mas a quantidade de conteúdo disponível torna difícil se destacar. É como lançar uma garrafa com um desenho no mar, na esperança de que alguém a encontre e aprecie”.
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Além dele, Marcelo D’Salete também comenta sobre como é essa concorrência direta, tanto com a MSP quanto com outros autores, que, assim como ele, buscam representar uma parcela do mercado: “A Turma da Mônica é um quadrinho que moldou de certo modo a forma de encarar o quadrinho brasileiro. Muitos quadrinistas, muitas editoras acabam focando em temas mais infantis, e isso molda um tanto a forma de nós vermos os quadrinhos hoje. Mas é importante lembrarmos que o quadrinho é uma ferramenta que pode trazer reflexões muito relevantes para outros públicos, para além do público infantil. Acho que falta, de certo modo, um maior espaço da mídia e interesse por trazer mais dessa diversidade de produção de quadrinhos no Brasil, para além de alguns autores, para além da literatura do quadrinho infantil e para além dos super-heróis e de alguns mangás também, que são os trabalhos de maiores sucesso hoje em dia. Falta ainda conhecermos mais sobre outros autores que estão produzindo uma obra muito interessante no Brasil de hoje”.
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Paulo Kielwagen, quadrinista e professor de Mídias Digitais da PUC-Campinas, explica que é extremamente necessário que o artista tenha um forte vínculo com a venda das suas produções para se destacar no segmento. Isso significa que é necessário desenvolver um personagem que se estabelece do início ao fim e que tenha uma conexão emocional com os leitores. Dessa forma, o autor tem um personagem que é um produto e pode ser vendido. “Eu já fiz uns bonecos de pelúcia, já fiz almofada, já fiz chaveiro, já fiz porta-copo, já fiz um monte de caneca. Eu fiz tanta coisinha desse personagem, mas, de novo, as proporções são diferentes. Eu faço e vendo no evento, que é algo bem menor. Mas, claramente, há um potencial de eu pegar esse personagem e transformá-lo em uma mochila ou em algum outro produto de, sei lá, ração para gatos. Então acho que a relação de criação de personagem é bem comum no meu dia-a-dia, e eu já olho para eles pensando, realmente, em algo futuro. Algo que ele pode se estabelecer e virar algo maior depois”.
O Papel do feedback instantâneo no novo cenário artístico
Por meio dos relatos acima, ganhar visibilidade e reconhecimento na indústria e no segmento dos quadrinhos pode se tornar uma uma jornada desafiadora, mas existem brechas encontradas pelos artistas, para que haja a divulgação e distribuição de suas produções. Algumas das estratégias mencionadas por eles são: networking, collabs, licenciamento e desenvolver personagens que, futuramente, podem ser vendidos.
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Construir uma presença online também se tornou uma tarefa fundamental, pois a internet revolucionou a forma como as obras culturais são divulgadas e consumidas. Além disso, concursos e eventos voltados aos quadrinhos são palco para grande parte dos artistas. Marcelo D’ Salete, cartunista, destaca porque isso acontece: “Hoje em dia, para dar visibilidade ao seu trabalho, vamos dizer que a questão da internet é algo vital, principalmente para quadrinistas que estão começando. Outro espaço muito importante são as feiras de quadrinhos e as feiras literárias também, onde os autores podem ter um contato direto com o público, para mostrar suas obras”.
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Will Leite ressalta como o uso da internet passou a estruturar a forma de lucratividade dos quadrinistas e o ato de consumo do público, algo que também afetou a própria Maurício de Sousa Produções, segundo ele.
Histórias ao vivo: encontros com autores e suas obras
Durante os meses de agosto e setembro de 2024, a FiveHive esteve presente em três eventos voltados às obras literárias e aos quadrinhos, para entender como eles realmente auxiliam na divulgação e distribuição das produções. Eles são: 51º Salão de Humor de Piracicaba, Bienal do Livro de São Paulo e HQ Fest.
Eventos voltados a obras literárias e quadrinhos. Créditos: Fivehive.
Segundo a Câmara Brasileira do Livro, a 27ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que aconteceu no Distrito Anhembi, em São Paulo, no mês de setembro, se consagra como a maior edição dos últimos 10 anos, ao receber 722 mil visitantes, um percentual 9,39% superior ao público do evento em 2022. Uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Turismo do Estado de São Paulo, através do Observatório do Turismo e Eventos da SPTuris, indica o perfil do visitante da Bienal:
Créditos: FiveHive
A 6ª edição da HQ Fest, um dos maiores eventos de cultura geek do interior de São Paulo, também realizada em setembro, na cidade de Indaiatuba (SP), reuniu mais de 5 mil pessoas, de acordo com o Shopping Jaraguá Indaiatuba, que foi palco para o evento. Neste ano, a HQ Fest contou com a presença de 50 artistas, entre eles a quadrinista e ilustradora Lígia Zanella, como convidada especial, e o sócio da Editora Pipoca & Nanquim, Bruno Zago.
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A 51ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba (SIHP), que aconteceu entre os dias 31 de agosto e 03 de novembro de 2024, apresentou uma série de novidades ao público e homenagens aos artistas e suas obras. O evento se consolidou como um importante marco cultural para a cidade de Piracicaba, projetando-o para o cenário nacional e internacional como a “Capital Mundial do Humor”, segundo Junior Kadeshi, diretor do SIHP. Neste ano, os jurados analisaram 453 trabalhos, produzidos por 229 artistas de 23 países, nas categorias cartum, charge, caricatura, quadrinhos, temática (Mulher), escultura e prêmio saúde.